sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

garoto do centro

Mamãe me bateu. Eu fiquei puto e saí de casa. Botei minhas coisas na minha mochila, peguei meu boneco de pano e me mandei. Não entendi o porquê, mas nunca veio ninguém atrás de mim. Passei por volta de uma semana na rua de trás do meu antigo lar, mas nada aconteceu. Eu tinha 12 anos e ninguém sentira a minha falta. Decidi então ir para outro lugar, fazer amigos novos. Tinha ainda uns trocados do dinheiro que peguei antes de fugir. Tomei um ônibus pro centro, àquela altura eu já tinha alguma noção de como andar pela cidade, papai e mamãe nunca tiveram carro. Cheguei lá, e já tive a iniciação da lei de sobrevivência. Três garotinhos derrubam a velha, dão uns pontapés e pegam sua bolsa. No início achava feio fazer isso, mas depois de dois dias, lá estava eu dando rasteira nas velhotas e pegando seus pertences. Não me orgulho, mas foi assim que me fiz.
O tempo corria muito rápido. A cada semana sumiam amigos e apareciam novos, para sobreviver era preciso ser bastante ágil e flexível.Com dois meses pelas ruas do centro, já era um dos mais respeitados do nosso grupo, ditava as táticas, e repassava as regras pros iniciantes, e punia quem as desobedecia. Mais quatro meses e era eu o líder. Nunca havia sido arrastado pelos fardados, e nem pego pelos meis velhos. Era tratado como rei por todos do grupo, os garotos me invejavam, e as meninas... ah, as meninas.. nem tenho idéia de quantas engravidei, ainda naquela idade. Era um lance complicado, não fazíamos muita coisa, além de roubar, cheirar cola. Não tínhamos hora para dormir, e acordar então, era a parte mais complexa, pois muitos de nós não acordavam jamais. Os motivos eram os mais diversos, alguns de frio, outros de fome, e ainda os que acordavam pra morrer, como era o caso quando caíam na mão de policiais vendidos, ou na mão de playboys que queriam 'limpar a cidade'. Passara um ano e meio, e eu ainda estava lá, já tava quase virando uma lenda pela minha longevidade naquelas ruas. Divertido, pois na minha casa, jamais alguem me daria tanta importância quanto eles me davam. Tinhamos o controle de três quarteirões. E poucos ousavam invadir nossa área, nosso respeito era grande.
Estava perto de fazer 18 anos, várias ganguezinhas de merda haviam sido absorvidas por nós. Já tinhamos um QG e de lá traçávamos nossos planos. Podíamos contar com várias dezenas de jovens recrutados. A brincadeira estava se tornando uma coisa enorme. Éramos conhecidos como os 'Garotos do Centro', e conheciam bem nossos métodos. Não matávamos, exceto em casos graves. O mais comum era debilitar a pessoa de alguma forma, geralmente alejando, e marcar com ferro quente, a nossa marca no rosto da vítima. Mas isso fazíamos com inimigos, e não com os inocentes que roubávamos, afinal, deles só queríamos mesmo o dinheiro. Mas voltando, estava perto de fazer 18 anos. Tava dando uma volta pelas ruas, quando vejo aquela silhueta que reconheceria em qualquer lugar, de mãos dadas com alguém que também jurava conhecer, e uma menina um pouco mais nova que eu também de mãos dadas, olhando alguma vitrine de produtos vagabundos. Sim, eu reconheco! Só podem ser eles, os filhos da puta que nem ligaram quando eu fugi. O ódio me tomou por completo. Como alguém pode não ligar pro filho dessa forma? E fui chegando perto, de mansinho, devagar. Falei pros dois camaradas que estavam comigo para ficar à uma certa distância. Cheguei por trás, tirei o canivete suiço que roubara de um otário quando tinha 15 anos, num ataque rápido, rompi a jugular do coroa, depois arrebentei a da velha, e a criança, sem reação, decidi poupá-la, a culpa não era dela, pensava, ela era apenas uma criança, minha irmã tinha apenas 8 ou 9 anos quando passei pela porta e não, mais, voltei. Olhei de volta pros dois velhos agonizando, agora sim, eu podia olhar em seus olhos, quando me pego surpreso. Não são eles! Caralho! Que merda!, olho pra menina, ainda sem reação nenhuma, os pedestres espantados também não sabem o que fazer, e penso, preciso terminar o serviço. E enfio o canivete no pescoço da criança.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

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Ela viajava por entre os mundos, deslizava notas por notas e encontrava uma melodia complexamente simples. Não havia nada que pudesse impedi-la de conseguir o que parecia impossível, construía. Naquelas noites em que tudo parecia estar acabado, ela dava vida, e tudo parecia mais feliz, mais certo, mesmo que tivesse alguem na iminência do porre e do vômito. Olhos sublimes somados à uma postura incorretamente correta. Ela fazia jogos, inventava sorrisos nos momentos mais inoportunos, e jamais haveria de se julga-la. A menina conheceu novos lugares.
Corria, cantava, gritava. Amava as coisas que encontrava pelo caminho, era capaz até mesmo de amar uma pedra sem graça, se esta vinha ao seu encontro. Perdoava cada galho que a arranhava. Era tudo muito belo.
Continuava a caminhar, cantava baixinho, e não mais gritava, falava. Ela foi achando que tudo era muito igual nesse mundo que visitava, entediava. A sua beleza já parecia não ser mais suficiente, seu interesse naqueles objetos, naquelas formas, já não causavam nenhuma sensação que pareciam causar antes. Os cortes já doíam, as pedras machucavam. Olhava ao redor e não via nada que lhe desse vontade de explorar mais e mais. Começava a sentir-se sozinha naquele ambiente estranho.
Já não mais andava, parou, a canção silenciou, e a voz calou.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Novembro

Era noite de novembro, eu me recordo bem. Já faz sete anos, mas eu me lembro como se fosse ontem.
Nós éramos quatro. Íamos de um lado ao outro da cidade atrás de diversão, que poderia ser definida por nós como cerveja-música-confusão. A grana era curta, era preciso bastante lábia pra conseguir transporte de graça, e muito sebo nas canelas pra sair do bar sem precisar pagar. Nossa cara já era marcada em alguns botecos, e por isso tínhamos sempre que estar variando. Então nesse dia decidimos cair para a área nobre da cidade. Pessoas bem arrumadas, perfumes caros exalando pelas ruas um aroma suave, se misturando ao monóxido de carbono dos carros ultra-potentes, e a mesma música da moda em todo lugar que a gente tentava ficar. Não era fácil achar um bar compatível com nossa condição ali, pelo menos era o que nos diziam os seguranças de cada um dos que tentávamos entrar. Não sei se por causa de nossas roupas esfoladas das grandes noitadas que tínhamos, ou simplesmente porque não iam com a nossa cara, afinal, todos ali tinham roupas de grife, cabelo penteado bonitinho, ou desarrumadamente elegante, ou até mesmo nos lugares alternativos, todos com roupas que você acha em qualquer brechó, exceto por uma única diferença, que eram as etiquetas com suas marcas, que poderia se chamar de passaporte para o lugar. Ficávamos putos, mas íamos levando, afinal, entendíamos o medo que por ventura tivessem de quatro malucos que pareciam ter acabado de voltar de um campo de batalha... normal.
Era perto das dez horas quando achamos um boteco perdido, enfiado por entre vários prédios residenciais. Não sei como fomos parar ali, aquelas ruas arborizadas, um vento fresco numa cidade infernal. Para chegar lá era preciso se enfiar em vielas criadas pelos altos muros dos casarões que ali havia. Meia hora de caminhada por esses becos high society, vez ou outra, cheiro de churrasco vindo de algumas casas se misturavam com a brisa, vinda dessas mesmas, informação irrelevante no caso, mas que nos mostrava estar em um lugar confuso. Depois de vinte minutos de caminhada, entra-se a esquerda, e segue até o final, onde há uma escada em forma de caracol, sem corrimão, subindo ela, estávamos já no centro do que poderíamos chamar de bar. Ali achava-se pessoas diversas, mas com características comuns. Não se encaixavam no perfil dos humanos que habitavam aquela área da cidade. Sentamos no balcão e pedimos um chopp. O pedido veio bonito... acho que nessa cidade não havia outro lugar que servisse aquela caneca. Cerca de um litro e meio de uma cevada que parecia ser feita especialmente pro nosso paladar, e a um preço extremamente barato. Íamos bebendo enquanto a madrugada chegava, quando por volta de umas três horas, eu me deparo com aqueles olhos hipnóticos, de uma beleza estranha, admiração exacerbada e respeito, inseguranca, e ao mesmo tempo demonstrando uma vontade imensa de se auto afimar naquele lugar. Provavelmente era a primeira vez que entrava ali, assim como nós. Não reparara em nada além dos olhos até que um dos meus amigos me cutuca, quando no mesmo momento eu tenho a certeza que já me deparara com aquela pessoa antes. E com meu amigo me dá a certeza. Viu quem acabou de subir?, Vi sim, mas não me lembro quem é, E o Terrorista, malandro la da rua do lado da nossa, tá sozinho, Ih caralho! fudeu!, vem merda por ae, Com certeza!, A qualquer momento, Tava demorando...
Foi só o tempo de brindarmos, matar o que ainda havia de cerveja, e descer a escada.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

praiana

Uma hora da tarde, o sol à pino dava a impressão de que em pouco tempo a praia iria secar. Mas apesar do calor escaldante, havia poucas pessoas na àgua, e menos ainda na areia. - Eu coloco o personagem dessa história no grupo dos que se encontravam sobre os grãos de quartzo. - Por opção preferira ficar ali. Não queria terminar aquele dia de sol cozido naquela água salgada. O dia segue normal, uma caipirinha aqui, depois uma cerveja ali.. não prestava muita atenção ao movimento das ruas, afinal, era mais um dia normal de sol, embora poucas pessoas tenham se disposto a enfrentar o calor na praia, um ar condicionado é muito mais prático, pensava ele. Decidira ir sozinho à orla aquele dia para descansar um pouco. Planejar seus passos futuros, assim como o de seu grupo de amigos. As marcas que ele trazia no corpo entregavam seu estilo de vida, e o marcariam até a sua vez de se deitar sob algum pedaço de terra. Cicatrizes e tatuagens resumiam toda sua vida, ficava feliz em contar como adquirira cada uma, ou em homenagem a quais pessoas fez algumas delas. Uma história bem rica e interessante para alguem que tivera poucas perpectivas ao longo da vida. Nascido numa família de classe média falida, se conformou com o fato de ter poucos talentos, sendo estes beber, brigar e escrever ou pintar algumas coisas, geralmente sob algum efeito proibido. Nascer numa cidade consumida por drogas baratas e consumidores hipocritas não é das melhores coisas que podemos querer. Ele caminhava pela praia, e decidiu sentar em um quiosque. Enquanto acendia o cigarro a cerveja já chegava a sua mesa. Sem camisa, deixava o brasão de sua família feita pelas ruas de seu bairro - uma família que impunha respeito a quem já cruzara com ela pela cidade - à mostra logo abaixo do pescoço, ocupando cerca de 1/4 do espaço de suas costas. Terminara já sua terceira cerveja, e aguardava a chegada na mesa da quarta. Tragou forte o cigarro, e enquanto jogava a fumaça para fora, um senhor pedia licensa para sentar-se à mesa - mais por educação do que realmente se importando com a resposta que lhe seria dada - o rapaz consentiu, curioso pra saber o que aquele senhor queria com ele. O senhor bem arrumado, carregava uma pequena caderneta e uma caneta, aparentemente suiça, com os quais anotava tudo que lhe vinha à mente. Ele pede um cigarro ao jovem, que não nega, então para acendê-lo, ele tira um zippo prateado do bolso, com duas inscrições - '..a morte..' de um lado e '..o fim..' do outro - instigantes para o isqueiro de um senhor de boa aparência como aquele. O senhor traga o cigarro e em seguida pede ao dono do quiosque uma dose de whisky, 'cowboy, por favor', e voltou-se ao nosso personagem, que assistia a cena, tentando pensar alguma razão para aquilo. Antes que me pergunte o que me chamou à esta mesa, te digo, meu jovem. Você é uma pessoa inteligente, muito inteligente por sinal, se não o fosse, não teria tantas marcas das quais tenho certeza que se orgulha, mas esses dias estão estranhos. - o whisky já na mesa, ele da um gole e saboreia o forte gosto do àlcool enxarcando sua boca - Nossas casas se tornam ambientes assustadores, à todos nós. - ele dá outro gole, e acende outro cigarro, nisso é acompanhado pelo rapaz, que também pede mais uma cerveja - Você poderia me mostrar seu zippo?, O que significa isso que tá escrito?, Você vai entender meu jovem, assim que eu terminar de falar. - ele vira o resto do whisky e continua - Existem pessoas que não gostam da gente, não concorda? Então, eu tenho um quadro, em casa, onde anoto o nome de todas essas pessoas. A medida que o tempo passa, vou apagando o nome delas um a um... As vezes sinto que estou velho, sinto a hora se aproximando, sabe? Todos esses problemas que a idade traz. Sinto que a hora tá chegando. Vê aqueles homens vindo ali?, Sim, você os conhece?, Conheço, infelizmente, então para te dar a resposta, queria te fazer compania nesse momento, pra você não se sentir sozinho. - Os homens já estão atrás do rapaz - Estou velho, mas ainda de serviço, não vai doer se você não quiser. Nisso o jovem deu um sorriso e disse, obrigado.